HOLD UP / HOLD ON
- Delphine
- 16 de abr.
- 5 min de leitura
Um assalto versão 3.0


Tudo começou em um início de tarde comum, enquanto eu corria de um lado para o outro no meu ecolodge, cansada, mas determinada a fazer avançar as obras que me eram tão importantes e que pareciam não ter fim. Minha cabeça estava cheia, minha atenção dispersa entre mil coisas para verificar. Foi nesse momento de cansaço que meu telefone vibrou. Uma notificação do WhatsApp. Uma mensagem inesperada do meu advogado.
A foto exibida era realmente a dele, mas em uma nova conversa. Costumávamos nos comunicar pelo WhatsApp, mas nunca dessa forma, nunca em privado, sem o grupo habitual do escritório. A mensagem vinha acompanhada de um documento oficial, de um processo em andamento. Tudo parecia sério, oficial, tranquilizador. Ele me anunciava que eu havia ganhado uma ação, após uma negociação que ele teria feito com a parte adversa, e que eu deveria receber uma bela quantia em dinheiro.

Em seguida, ele explicou que um de seus sócios, especialista em transações, assumiria o caso. Seria necessário marcar uma audiência online com o tribunal. Esse detalhe não me surpreendeu: eu já havia participado desse tipo de reunião por áudio e vídeo no WhatsApp, era um procedimento comum. Aceitei o compromisso, sem a menor desconfiança.
Ele se apresentou como o interlocutor oficial do tribunal para esse tipo de operação. Mesmo que sua voz me fosse desconhecida, ela era tranquilizadora, clara, grave, segura, sem a menor hesitação. Tudo era calibrado para me convencer: seu tom, as informações precisas que ele tinha sobre mim, a rapidez com que impunha cada etapa, a pressão do tempo que só aumentava.
Eu tinha dificuldade para entender tudo, ele falava rápido e meu português não era bom o suficiente para assimilar tudo. E foi aí que a armadilha se fechou.
A cada instante, ele me dizia o que fazer, sem me deixar pensar, sem me deixar respirar. Sempre que eu saía do espaço dele no WhatsApp ou do aplicativo do banco onde ele me guiava, quase levava uma bronca: “Você não está me ajudando, vamos ter que começar tudo de novo, o juiz está perdendo a paciência!”A voz dele era firme. Eu tinha que ficar conectada, concentrada, não podia conferir nada, nem entrar em contato com ninguém. “Esse é o procedimento”, repetia ele, “senão você não vai receber seu dinheiro. Confie em mim, eu sou seu advogado, estou aqui para te ajudar.”
Sob essa pressão constante, acabei fornecendo informações pessoais: extrato bancário, CPF, chaves de acesso. Seguindo suas instruções, abri uma conta no Recargapay, que deveria receber o valor prometido. Depois, ele me pediu uma transferência de dinheiro do meu banco principal, garantindo que eu não seria debitada, já que eu não tinha esse dinheiro na conta. Ele me enviava links nos quais eu clicava sem entender que, assim, ele podia monitorar tudo o que acontecia no meu celular. Eu sentia meu coração acelerar, a tensão aumentava, eu me via perdendo o controle. Assim, ele conseguiu liberar um empréstimo em meu nome, usando as chaves de segurança que, sem saber, eu havia passado para ele. Eu achava que sem meus códigos ou minha digital isso não seria possível. Mas era.
Depois, ele ordenou que eu não saísse da página inicial do aplicativo do banco, que eu ficasse imóvel, esperando o dinheiro chegar. Eu o imaginava ali, na minha cabeça, me vigiando, pronto para agir. Sempre que eu tentava sair, conferir, fazer qualquer coisa, ele percebia: “Você não está me ajudando, vamos ter que começar tudo de novo!”
Eu me sentia como se estivesse presa em um funil, cada segundo que passava me afundava ainda mais. A manipulação era total. Eu já não tinha nenhum controle. O medo de perder aquela oportunidade, a confiança cega no que parecia ser a justiça e meu advogado, me impediam de pensar. Eu queria acreditar, esperava que tudo fosse se resolver. Mas a verdade, a realidade, é que eu estava como hipnotizada.
Meu companheiro até tentou me alertar, mas eu não o ouvi. Eu acreditava tanto que não era possível que aquilo fosse um golpe.
Então tudo desmoronou. Meu WhatsApp foi desativado. O golpista havia clonado minha conta. Eu ainda achava que estava “online” com ele no WhatsApp, ou pelo menos era o que eu pensava, mas já não tinha mais acesso à minha conta. Era estranho demais, surreal.
Ele aproveitou para usar minha voz, minhas fotos, meus vídeos, todas as informações que havia coletado para se passar por mim. Meus contatos recebiam, em meu nome, pedidos de dinheiro. Enquanto isso, ele me mantinha online no meu banco para “ver o dinheiro chegar”, dizendo que estava trabalhando para mim, para que fosse rápido, que era a Receita Federal que estava demorando nesse processo.

Mesmo assim, comecei a ficar irritada, a sentir o laço se apertando. Como pude ser tão ingênua? Ao mesmo tempo, eu não queria acreditar que tinha sido tão bem manipulada, não parecia comigo. Não sou uma vovozinha de 90 anos fácil de enganar. Ele, por outro lado, tinha tudo: podia abrir contas bancárias online, contratar linhas telefônicas, talvez até fazer novos empréstimos em meu nome.
Quando finalmente aceitei a dimensão da fraude, já era tarde demais. Tentei cancelar a transação no Recargapay, mas o dinheiro já tinha sumido.
E olha que eu já vivi outras experiências de fraudes ou ameaças. Ligações de supostas empresas com as quais trabalho ou sou assinante, ameaças indiretas, tentativas de roubar meus dados. Uma vez, uma quadrilha armada me ameaçou pelo WhatsApp, dizendo que era melhor eu doar o dinheiro voluntariamente, senão eu corria perigo. Fiquei com muito medo, mas não me deixei intimidar. Essas experiências me fortaleceram, me ensinaram a ser mais vigilante.

Mesmo assim, dessa vez, fui vítima de um sistema, de uma máquina, de um homem impiedoso, que soube jogar com minhas falhas, minhas fraquezas, tudo aquilo que eu achava sólido. O que me assombra hoje não é só a perda financeira, é a perda total de confiança nesse sistema desumano.
Me sinto traída por mim mesma. Não é essa nova quadrilha de ladrões 3.0 nem o dinheiro perdido que mais me dói: sou eu, essa mulher relativamente “inteligente”, que caiu do alto. Essa ferida invisível, profunda, vai me mudar para sempre.
Não é bonito, alguns diriam que é melhor eu me calar, me esconder. Mas não, todos podemos ser vítimas da nossa confiança. É compartilhando experiências como essa que ajudamos outros a não caírem no mesmo golpe. E como diz meu companheiro: confiança não exclui o controle.
Fiquem atentos e saibam que, hoje, não são mais ladrões armados que invadem nossas vidas, mas golpistas impossíveis de rastrear: o assalto perfeito!
PS: Desde então, perdi o acesso ao meu WhatsApp, acredito que por causa das inúmeras reclamações devido aos pedidos de dinheiro. Seja o que for que pedirem: nunca enviem dinheiro sem antes ligar para a pessoa e confirmar o pedido. Acrescento que não sou a única, é uma organização que atua em todo o Brasil.
Comments